Acordo sobre o desacordo: Os negócios jurídicos processuais

Por Equipe Montolli Advocacia | 20 de dezembro de 2016

Entre as tantas inovações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil (“Novo CPC”), em vigor desde março de 2016, merecem destaque os negócios jurídicos processuais, que buscam restabelecer o protagonismo das partes no processo.

Atualmente ser parte de um processo judicial não é vantagem alguma, seja como autor seja como réu. Mesmo quando a probabilidade de se obter uma decisão favorável é grande, o titular do direito terá que lidar com a demora descomunal do nosso Judiciário e enfrentar inúmeros obstáculos até chegar a efetiva satisfação da demanda.

O negócio jurídico processual visa moldar o processo aos interesses das partes. Da mesma forma que um contrato é feito para estabelecer obrigações e deveres entre sócios, condôminos, compradores e vendedores, também é possível firmar termos que disponham sobre eventual desacordo que leve os contratantes ao Judiciário. Exemplo disso é a cláusula de eleição de foro, que determina qual será a comarca onde os contratantes deverão pleitear os direitos decorrentes do contrato. Nota-se, portanto, que as convenções sobre o processo já eram praticadas mesmo antes do CPC/15, mas restritas e pouco disseminadas.

O artigo 190 do Novo CPC torna expresso que “versando o processo sobre direito que admita autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”.

A norma supracitada prestigia a autonomia e liberdade das partes para criarem regras jurídicas que lhes sirvam e sejam interessantes, antes ou durante o litígio. Não há dúvidas que um processo que perdure anos até chegar a uma sentença pode não ser suficiente para satisfazer os interesses dos litigantes. Com efeito, o litígio traz consigo a ideia de disputa e interesses divergentes, enquanto o acordo e as convenções carregam o ideal da solução conjunta e amigável.

Ainda há muita discussão sobre quais cláusulas poderão ser pactuadas e se terão validade em juízo. O Fórum Permanente de Processualistas Civis já aprovou diversos Enunciados para explicar o tema, a destacar os Enunciados de nº 19, 20 e 21:

Enunciado 19. (art. 190) São admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo de recurso, acordo para não promover execução provisória; pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória, inclusive com a correlata previsão de exclusão da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de exclusão contratual da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de disponibilização prévia de documentação (pacto de disclosure), inclusive com estipulação de sanção negocial, sem prejuízo de medidas coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias ou indutivas; previsão de meios alternativos de comunicação das partes entre si.

Enunciado 20. (art. 190) Não são admissíveis os seguintes negócios bilaterais, dentre outros: acordo para modificação da competência absoluta, acordo para supressão da primeira instância.

Enunciado 21. (art. 190) São admissíveis os seguintes negócios, dentre outros: acordo para realização de sustentação oral, acordo para ampliação do tempo de sustentação oral, julgamento antecipado do mérito convencional, convenção sobre prova, redução de prazos processuais”.

Diante tantos exemplos, é possível afirmar que os Negócios Jurídicos Processuais serão de difícil manuseio, mas o advogado que dominá-los certamente apresentará melhores soluções aos clientes, seja na advocacia consultiva, seja na contenciosa.

É o caso de um cliente que procura um escritório de advocacia para analisar um contrato de compra e venda no qual figura como fornecedor de um produto. Além da análise das cláusulas que nortearão como se dará a relação contratual, o escritório poderá auxiliar o cliente sobre quais regras jurídicas processuais deseja seguir caso se faça necessário o ajuizamento de uma ação judicial para discutir o negócio.

De igual forma, os negócios jurídicos podem ser muito úteis no curso de um processo, principalmente para dispensar ou modificar procedimentos que em nada contribuirão com a busca de uma solução célere, efetiva e satisfatória da lide.

Os negócios jurídicos processuais estão intimamente ligados ao artigo 6º do Novo CPC, que dispõe sobre o emblemático princípio da cooperação, preconizando que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

Por fim, o bordão “bater às portas do Judiciário”, comumente utilizado por aqueles que ajuízam alguma ação judicial, paradoxalmente poderá levar as partes a entrarem numa casa organizada ao seu modo e jeito, o que talvez represente uma das mais importantes e benéficas inovações advindas do NCPC.

Autores: André Câmara e Castro, graduando em Direito, Leonardo Sarmento Rodrigues, graduando em Direito e Karinne Montolli Carvalho, advogada especialista em Direito Empresarial e Direito Tributário.